Estamos numa tarde de sábado enfadonha e meia cinzenta. Eu e a minha princesa estamos sozinhas desde cedo. Já brincámos, fomos ao café, dormimos a sesta, enfim, o normal até chegar a nossa inflexível hora de ginástica.
A consulta de oftalmologia na semana passada não foi muito animadora, segundo a opinião médica a Filipa não vê quase nada o que dificulta em muito a sua interacção com meio externo.
Mas o principal objectivo deste post não é falar da Filipa mas sim da mãe. Grande parte das vezes colocamos este elemento em segundo plano, identificamo-nos como seres fortes e permanentemente activos na vida dos nossos filhos. É verdade que o somos mas também é verdade que sofremos muito mais que eles com esta realidade. Eu partilho da opinião que a Filipa só tem que ser feliz, independentemente da sua condição. Ela nasceu assim, não conhece outro modo, já os pais contrastam com a utopia que os nossos filhos um dia ainda serão crianças normais...
È muitas vezes surreal a edificação do futuro que prevemos para eles, escola, actividades normais, um curso superior e até o mais elementar passo de casar e ter os seus próprios filhos. Utopia, pura utopia.
De entre vários livros que seleccionei sobre o assunto houve um que me chegou por uma amiga a que dei especial atenção "Um Bebé Diferente". Enfoca basicamente a relação mãe-bebé onde inicia um estudo de caso com 12 crianças desde os 0 aos 12 meses e envolvimento da mãe nos vários contextos (interacção, ansiedade, sinais depressivos, motivação, etc).
O inicio é bastante confuso para o mais comum dos mortais, refere muita literatura de base dos vários autores sobre o assunto e refere quais as ferramentas utilizadas nesta avaliação. A segunda parte é o choque. São estudos de caso que ao passar pelos vários meses dentro do primeiro ano de vida se assemelham com a nossa inalterável condição. É especialmente violento o confronto que temos com a realidade, aquilo que acaba por ser a nossa realidade.
Nós mães, temos que admitir que embora encaremos a deficiência dos nossos filhos é-nos impossível dissociar a imagem que ainda fazemos de filhos saudáveis, aqueles que durante 9 meses divinizámos, lindos e extremamente inteligentes. Fisicamente acertei em quase tudo. Sempre disse que a Pipa, como carinhosamente lhe chamamos, nasceria com muito cabelo, olhos da mãe e a fazer beicinho. Não me enganei!!!
Este livro transporta-nos para uma outra realidade que não queremos ser nossa, a de ter um filho com atraso de desenvolvimento. Atraso esse que de um modo quase cândido insistimos em achar semelhanças com o normal, porque ri, porque reage, porque olha..... este livro coloca-nos frente a frente com a dor em minutos, basta ler o estudo de um bebe dos 0 aos 12 meses sem interrupções e é inevitável o sentimento de mágoa e frustração.
É quase como voltar á estaca zero, se antes me enchi de coragem ao ler literaturas de Delacato em busca da cura milagrosa que sinto que só eu vou achar, por outro a lado este livro leva-me ao ponto mais obscuro da doença.
Sim, só eu vou achar, porque eu não posso permitir que a minha filha fique com deficiências. Não a minha Filipa, não pode ser!! Agora sofro outra vez intensamente por conseguir identificar mais situações de uma criança com parelisia grave do que com o desenvolvimento de um bebé normal.
Fui obrigada a fazer um luto, aquilo que aconselho vivamente. De uma vez por todas tenho que desligar da imagem vinculativa que criei de bebé normal. A Filipa não é um bebé normal, é um bebé especial, a quem nós amamos tanto como se fosse normal.
O meu luto foi um episódia extremamente intimo o qual não tive coragem de contar a ninguém para que não surgissem criticas biformes. Se por um lado uns pensam que tardiamente fiz esta transição, outros pensam que estarei louca porque a Filipa é muito pequenina e pode "recuperar". Embora me agrade mais a segunda opcção tenho presente que é simplesmente utópica. Os outros tem direito de pensar assim, nós mães, temos o direito de fazer as várias transições neste processo a seu tempo, mas o fim culmina no luto e encarar a realidade.
Exponho-me aqui como em mais nenhum sitio, sinto que alguém irá ler e assemelhar tais pensamentos, mas assim não preciso de mostrar as lágrimas.
Numa tarde em que vinha do trabalho sozinha, já ao cair do dia, senti-me fraca, impotente aliás. Os 3 ou 4 dias anteriores tinham sido quase em estado depressivo mas sempre a tentar mostrar o lado forte. "Eu sou forte e faço tudo pela minha filha, portanto não há tempo para depressões ou choraminguiçes, há que encarar... " esta sempre foi a minha postura.
Nesta mesma tarde, já o meu marido tinha notado o meu desânimo, meti-me no carro rumo a casa. A viagem demora entre meia-hora a 45 min. A certa altura senti um sufoco que não pude controlar, um aperto arrebatador que me assolou dos pés á cabeça. Senti que os olhos teimavam em desabar contra a minha vontade e chorei, chorei outra vez e sofri!!!! Senti o impulso de aumentar o som do rádio com se por momentos me isolasse da realidade que insistia em afirmar-se e dei por mim a gritar. Gritei para que mil mundos me ouvissem, ofendi grosseiramente aquele médico que de forma desumana me mandou para casa para matar a milha filha perfeita.
Com muitas lagrimas no rosto, o volume do rádio no maximo e com a "voz dorida" achei-me muito pequena. Achei-me louca para melhor dizer, foi como se renascesse para um novo capitulo da minha vida, a realidade....
O segredo da saúde da mente e do corpo está em não lamentar o passado, em não se afligir com o futuro e em não antecipar preocupações; mas está no viver sabiamente e seriamente o presente momento. (Sakyamuni).
A minha luz
sábado, 18 de setembro de 2010
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2 comentários:
Minha Querida Lili,
Deixas-me emocionada com este teu depoimento de luta e coragem. Das fotos que vi da Pipa, é linda, linda, como a mãe, e tenho a certeza que é uma menina feliz. Sim, é verdade, ela é diferente...somos todos. Ela fará os seus progressos, terá a sua vida, fará as suas coisas, ao seu ritmo, e sem comparações. O que importa mesmo é que ela, a Pipa, como qualquer outro filho, te enche o coração, e tu enches o coração e a vida dela de coisas boas. No final é só isso que conta. Adoro-te, miúda! beijos para vocês! Joana RC
Encontrei este blogue à pouco tempo, mas só hoje vim para trás para saber mais um pouco a vossa história. Hoje li pela primeira vez este post e concordo em que todas/os temos de fazer o luto, à nossa maneira, da melhor forma que acharmos, quando quiserermos, nos apetecer e termos forças para o fazer.
Após o luto, surge uma força imparável para lutar e para ver tudo de forma diferente. No entanto e apesar desse período importante, a dor será carregada no nosso coração para toda a vida. Agora o mais importante é saber lidar com ela da melhor maneira, por forma a que a mesma não nos deite para baixo quando o que nós precisamos é de estar em cima.
Um beijinho e tudo de bom para vós, principalmente nesta altura que sei que será muito importante.
Cláudia Rocha
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